Mas Portugal salta...
Ora boas, regressei mais cedo do que esperava. Confesso que só me via a escrever aqui uma nova entrada na próxima semana, com alguma observação sobre o estado de alienação dos portugueses graças ao campeonato do mundo de futebol (como se fosse preciso uma desculpa para nos alienarmos da vida cívica)... No entanto hoje ao ver as noticias da hora de almoço pensei: "será que esta gente perdeu o pouco juízo que tinha?".
O noticiário trouxe novas interessantes. Duas delas foram apresentadas pela ministra da educação. Uma referente ao fecho de mais de 500 escolas primária e a outra dizia respeito à ideia peregrina de passarem automaticamente para o 10º ano os alunos do 8º que tenham já mais de 15 anos. Por ultimo, o noticiário deu-me também a entender uma coisa trágica, a nossa verdadeira preocupação nacional é: "será que podemos contar com o Nani e o Beto para a África do Sul?".
O fecho de mais de 500 escolas primárias é preocupante a meu ver. Mais uma vez estamos a seguir uma lógica economicista e particularmente cega quanto à nossa realidade. O critério não podia ser mais básico, se tem menos de 20 alunos, fecha. Então e o que se vai fazer a esses 20 alunos?
Há anos que se fala no combate à desertificação. Dinheiros públicos têm sido gastos, por vezes mesmo esbanjados, em infra-estruturas que alegadamente dão melhor qualidade de vida a quem vive no interior e impede assim a contínua migração para o litoral (nomeadamente Lisboa e Porto). A pergunta que se impõe, para mim que sou lisboeta e que me tento por na pele de quem vive no interior de Portugal, é então, o que me faria escolher (ou não) o interior em relação a uma grande cidade?
Tipicamente os governos têm optado pelo tipo de medidas "para inglês ver", ou seja, betão. Constrói-se uma auto-estrada sem portagens (que já se viu que não é sustentável) e assume-se que está tudo bem no paraíso. Entretanto aparecem este tipo de medidas de fecho de escolas, centros de saúde, e todo o tipo de instituições sociais que fazem particular sentido nas povoações mais isoladas. Claro que sei que não é possível ter uma escola em todas as ruas nem um centro de saúde para cada "meia dúzia" de pessoas, mas este tipo de medidas avulso são apenas formas de gastar onde não se deve, poupar no que faz falta, e no fim, não definir qualquer rumo para o futuro.
O ponto dois da ministra é a triste ideia de se fazer uma passagem directa do 8º para o 10º para os meninos com mais de 15 anos. A desculpa não podia ser melhor e baseia-se em ser "uma situação muito difícil para o aluno" e em "não poder desmotivar os alunos sob pena deles abandonarem as instituições". Vá, vamos lá falar sério, estão os nossos governantes a trabalhar a favor ou contra o país?
As reformas da nossa educação têm sido verdadeiramente anedóticas. A obrigatoriedade do ensino de 12 anos, a quase impossibilidade de se chumbar um aluno, os programas das novas oportunidades, e agora isto... Quando se fala em problemas estruturais em Portugal, é isto que eu vejo. Problemas estruturais não se corrigem em 3 anos, nem numa legislatura ou mesmo duas. Problemas estruturais corrigem-se em décadas de trabalho e este é o melhor dos casos de exemplo. Quem está hoje a receber educação será o eleitor e o governante de amanhã. Como podemos esperar alguma coisa dessa geração que não teve objectivos a cumprir? É uma geração a quem se está a dar habilitações que não têm e a quem se está a dizer que não precisam de estudar nem de lutar para terem direito ao que quer que seja. Mais, a nossa, actualmente péssima, competitividade só tem a perder com isso. Como podemos nós competir no estrangeiro quando a nossa exigência interna é tão miserável?
Mesmo tecnicamente faz-me confusão como é que a ministra da educação, ela própria uma professora, pode achar que faz algum sentido um aluno saltar assim dois anos nessas condições. São anos fundamentais para a formação académica de qualquer estudante! Como é que um aluno que não tem vontade ou capacidade para terminar o 8º ano vai passar do 10º? Só mesmo criando mais uma excepção que diga que aos 18 anos ficam todos com o 12º sem nunca se terem dado ao trabalho de se esforçarem por ele. Eu nunca conheci ninguém que tenha saltado dois anos por ser genial, alias, penso mesmo que isso nem é permitido, mas vamos passar a conhecer quem salte dois anos por ser um asno ou um preguiçoso!
Pois é verdade, este post já vai longo, mas mesmo assim podia-se dizer muito mais sobre o assunto. Os erros que agora cometemos, vão ser pagos bem caros e mais cedo do que se pode pensar. Não estamos a tratar apenas que questões de literacia, já de si extremamente importantes, mas mais ainda de uma questão de valores que esses sim estão em risco quando se apresentam estes caminhos de facilitismo. Não podemos esperar que depois de 12 anos de uma escola de brincadeira, que desvirtua o principio do trabalho e do esforço, saiam de lá bons profissionais, ou sequer pessoas que percebam a necessidade de se ser um bom profissional. Certamente pensarão "mesmo que eu não seja competente, o chefe vai-me promover para não me traumatizar". Enfim, por ultimo quero deixar aqui a manchete dos telejornais, que demonstram onde estão as preocupações do povo: “Nani estará apto para a Africa do Sul”, afinal está tudo bem.
Um grande bem haja,
GN