quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A verdade da mentira

Bom, antes de prosseguir devo dizer que este titulo não se refere à longa metragem protagonizada pelo agora Governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger nem do polémico livro que acusa o casal McCann de assassinarem a sua filha. Posto isto claramente só sobra uma possibilidade, a EDP, mais concretamente no que se refere às barragens que vão ser construidas. Quantos de vocês adivinharam do que se tratava o titulo? Possivelmente nenhum...

Pois é, quem convive comigo já conhece de letra esta revolta. É daquelas coisas que me tira do sério e com o qual eu torro a paciência de quem me rodeia. Vou então exorcizar publicamente esta questão que tanto me atormenta.

Na passada sexta feira fui ao cinema (vejam bem há quanto tempo isto anda a marinar), o titulo não é importante, era uma comédia ligeira. O importante é a publicidade que antecede actualmente os filmes da Lusomundo (não sei se nos outros também é igual) e que é a mesma que invadiu os nossos lares de uma forma perfeitamente ostensiva por alturas do verão. Estou logicamente a falar da bonita publicidade que a EDP criou para "evangelizar" o mundo com a mensagem de que as barragens ajudam na preservação da natureza.

A publicidade em si é brilhante, tenho de tirar o chapéu aos publicitários que a criaram. As imagens são fantásticas, suaves e inspiradoras. A musica assenta-lhe que nem uma luva e a mensagem de preservação parece natural e convincente (estou desconfiado de que ate a Greenpeace foi obrigada a rever toda a sua percepção sobre a preservação, Deus e o Universo para por as ideias em ordem). Para ajudar a este arraial de disparates temos também a TSF (sim, estou a falar de uma estação de rádio noticiosa e com um carácter credível). Quem, como eu, ouve a TSF com regularidade já ouviu pelo menos os anúncios (penso que já cessaram) de um programa aos Sábados que visa explicar ao grande publico a grande vantagem que é termos barragens em tudo quanto é rio para preservarmos a biodiversidade. Sou só eu que acho isto estranho? Devo dizer que nunca ouvi o programa em si, apenas os anúncios ao mesmo, mas pareceu-me profundamente obsceno e mesmo desonesto fazer uma coisa dessas!

Para reflectir melhor sobre este assunto, vou tentar criar tópicos sobre o problema em questão que põe frente a frente a preservação e a construção de uma qualquer barragem.

  1. As barragens produzem uma energia “limpa” que para além do mais nos ajuda a criar uma independência energética
  2. Segundo estudos da UE a produção energética será apenas 30% do que foi prevista nos estudos da EDP
  3. Criação de habitats para espécies em vias de extinção participando assim numa preservação activa da natureza
  4. Enfim, é quase ridículo contrapor o ponto anterior, é praticamente "bater no ceguinho". Diria que a melhor forma de preservar um habitat é (espantem-se) ficar quieto e não estragar o que a natureza criou…
  5. As barragens alagam os melhores terrenos, aqueles que durante séculos estiveram à beira rio e a receber tudo de bom ficam agora submersos. Estamos a falar dos solos mais ricos não só para o desenvolvimento da natureza selvagem mas também para a agricultura e que ficam assim submersos.
  6. Põem em causa a biodiversidade já que condicionam o curso dos rios e alteram as condições por estes proporcionadas. Há peixes que não podem subir os rios para a desova (sim aqueles mesmos que aparecem no anuncio) o que trás implicações também com a fauna predatória (as lontras e as águias que também aparecem na publicidade ficam assim ameaçadas) e claro, toda a flora subaquática sofre graves alterações, tudo isto tanto a montante como a jusante dos ditos empreendimentos.
  7. A poluição gerada pela construção de uma barragem é também ela imensurável. Começando pelo impacto gerado com a agitação das lamas do fundo dos rios toda a tarefa se demonstra extremamente nefasta para o desenvolvimento de animais e plantas.
  8. O "desenvolvimento económico". Isto merece uma referencia ao meu post anterior, mas mais uma vez, meus amigos o betão só por si não traz qualquer desenvolvimento. Neste caso em particular fala-se muito do desenvolvimento das regiões próximas das barragens com a proliferação de novos empregos que exploram comercialmente as condições criadas pela mesma (em especial em termos turísticos). Pergunta: alguém alguma vez viu uma das actuais barragens trazer grande desenvolvimento às áreas envolventes com o dito turismo pelas actividades aquáticas? Eu nunca vi, e se tudo correr bem nunca verei... Não tenho interesse nenhum em ter centenas de banhistas e embarcações de recreio a conspurcar a agua que vou beber!
  9. O armazenamento de águas. Enfim, lá vamos nós... Tendo em conta que boa parte dos nossos rios são partilhados com Espanha, o nosso problema costuma cingir-se ao facto dos "nuestros hermanos" nos fecharem as torneiras de cada vez que vem mais uma seca... Por outro lado armazenar aguas paradas não é grande ideia (baixos caudais têm implicações graves na qualidade das águas) e a própria UE veio dizer que a EDP tinha feito mal as contas aos caudais previstos para as barragens. Leia-se "temos mais um atentado entre mãos".
  10. Por ultimo, há quem pague e bem por um turismo de qualidade que necessita de uma natureza relativamente preservada em vez de profundamente adulterada.

Então porque continua a ser apregoado o maná que seria a construção de barragens? Porque há valentes dinheiros públicos aqui no meio, e em investimentos de largos milhões haverá certamente muita gente a ficar contente (que possivelmente ficará conhecida em mais algum caso judicial mediático que termina em nada). Por triste que seja, quando há dinheiro envolvido, vale tudo. Vale até uma publicidade verdadeiramente milionária para fazer a lavagem cerebral necessária para se seguir em frente com este atentado e vale a compra de um programa para impregnar toda a propaganda da construção civil. Ninguém quer saber se vamos adulterar o ultimo rio selvagem da Europa, ninguém quer saber do desaproveitamento económico que se vai fazer com inundar de terrenos férteis nem tão pouco do turismo bem pago que se poderia explorar num país bem conservado, e claro, ninguém quer saber das espécies já tão ameaçadas e que em muitos casos vão ser extintas com mais esta agressão aos seus habitats.

Pois é verdade, o titulo de país desenvolvido tem mesmo de ser revisto... Betão não é desenvolvimento e a construção cega não trás qualquer riqueza. Um país desenvolvido pensa no seu potencial natural, pensa no futuro e pensa que o seu desenvolvimento tem de ser sustentável! Não podemos continuar como qualquer país de 3º mundo, com um desenvolvimento atabalhoado e não vendo mais do que o dinheiro fácil sem pensar se amanhã ainda teremos proveito do que fizemos hoje e que impacto se espera das nossas acções.

Um grande bem haja,
GN

1 comentário:

  1. Epá, tás em grande. Tenho gostado bastante de ler as tuas revolvas. Continua. Abraço

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